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Atualizado em 14/11/2013 às 12:11
Chapecoense está na Série A do Brasileirão
Em lágrimas, como a maioria dos presentes naquele vestiário abatido, proferiu: “Final do ano estaremos aqui chorando, mas de felicidade, porque Deus nos reserva algo ainda. Este grupo merece muito e vamos comemorar”. Assim, no dia 19 de maio, apesar da tristeza pela perda do título estadual, mesmo com a melhor campanha, o técnico Gilmar Dal Pozzo sustentou a frase acima. Como um dia cantou o mito Raul Seixas, “não sinta que a canção está perdida, tenha fé em Deus, tenha fé na vida, tente outra vez...” Começava ali a ‘Saga dos Guerreiros’, disputando pela primeira vez o Campeonato Brasileiro da Série B. Dado como time de bate e volta, saco de pancadas e tudo o mais pejorativo que seja possível descrever, aos poucos a Associação Chapecoense de Futebol foi tentando outras vezes. Logo na viagem inicial, uma epopeia. Sem condições de embarque em Chapecó, partiu de ônibus para Curitiba, onde a delegação dormiu por cerca de três horas até despertar e voar para São Paulo, a fim de seguir novamente pelas rodovias do Brasil com destino a Varginha, interior de Minas Gerais, para enfrentar o Boa Esporte. E que boa partida. Uma goleada por 4 a 1. De forma quixotesca, citando o grande Miguel de Cervantes Saavedra, cada adversário era um moinho enfrentado com brio e afinco pelos bravos cavaleiros, considerados por muitos ‘la mancha’ no mapa da competição. Atrás de suas Doroteias, os responsáveis por diversas alegrias no Oeste de Santa Catarina lutavam contra tudo e contra todos. Como se esquecer das críticas e acusações feitas por quem deveria incentivar e apoiar? Até chamado de ‘vagabundo’ este elenco foi, acusações levianas de quem jamais fardou no campinho do bairro. Os diversos pedidos de ‘cabeças’? Simplesmente pelo fator da inveja e a busca pela audiência. Mas o cavalo paraguaio foi encilhado e os bons peões souberam usar no vestiário tais citações para transformar ainda mais uma comunidade. Embora desacreditados no lado externo e motivo de criações esdrúxulas acerca do bom convívio dos profissionais, era na bola que a resposta vinha embalada pelo hino interno em ritmo de pagode. A amizade é tudo! Uma arrancada surpreendente e dez rodadas sem saber o que era a tal derrota, até o primeiro tropeço. Mas Sun Tzu, na literatura milenar de ‘A Arte da Guerra’, evidenciou que o planejamento e a forma de atuar estrategicamente são fundamentais para quem busca os louros no final. Não adianta cem vitórias em cem batalhas, pois isto não gera a excelência. A melhor forma de obter o êxito é atacar a tática inimiga e ao longo destas rodadas pelo Brasil, o comandante foi levando seus soldados a marcharem pela elite. Trajetos terrestres, sertão, calor, más condições, logística prejudicada, partidas adiadas, falta de água para o banho após as atividades, agressões patéticas de árbitro e militares de forma torpe, ônibus precário, alimentação escassa, ‘onde é o treino hoje’? No estádio não podemos trabalhar, espera em aeroportos, conexões demoradas. Ufa! Guerreiros... que não fogem da luta, não podem correr, porque ninguém vai atrasar quem nasceu para vencer. Amigos que vem e amigos que vão. Na caminhada, percalços. Acima de tudo, uma família, diferenciada no esporte bretão, unida, enfrentando barreiras para atingir o lugar ao Sol. A liderança de um Rodrigo Gral, ídolo, artilheiro no Estadual, quando chamado, bem posicionado, aplaudindo um companheiro que soube esperar e tornou-se o maior goleador da história da Segundona em pontos corridos. Que dupla com Bruno Rangel. A frieza de Nivaldo, presente em todos os acessos desde a Série D, treinado pelo mineiro Boião, ou Anderson Martins nos registros, assim como Juliano, pessoa idônea e o maestro Nenén, todos desde a quarta divisão. Várias histórias. A descontração e liderança do Rafael Lima, excepcional caráter e verdadeiro capitão, com ou sem a tarja. A voz rouca na orientação de André Paulino. Os sotaques característicos de Rodolpho, Dão e Radar, com o pandeiro, reco-reco e tantã do Augusto, Anderson Pico e Alan. O gauchismo do Fabinho. O estilo do Dudu Figueiredo. A seriedade compenetrada do Lucianinho. Nas agruras da estrada, o sentimento acentuado daqueles que não aceitavam olhar na tabela de classificação e enxergar desde a primeira rodada o verde da Chapecoense entre os três primeiros, porque sequer em quarto lugar o clube figurou. As apostas contrárias de qual seria a data do descenso, ou que deixaria o G4 para não mais regressar. Os comentários exagerados e sem embasamento nas três igualdades do marcador dentro de casa em outubro, parecendo, para o menos avisado, que a luta era contra o rebaixamento. E lá foi a Chapecoense ficar no 0 a 0, de novo, no Serra Dourada, em Guaratinguetá e outra vez na Arena Condá. Crise instalada. Crise? Para quem cara, pálida? Aqui não é curumim, mas caciques, que flecharam os Leões, mataram os Coelhos, desfolharam a Figueira, dizimaram o Azulão e encararam o Dragão. A alegria das piadas do Tiago Saletti, exímio locutor de rádio do interior do Rio Grande do Sul, a voz mansa do mineirinho Paulinho Dias, conterrâneo de Glaydson, o silêncio observador dos jovens Gustavo Vanin, Caion, Breno e Dieguinho. A farra ‘Toissss’ do Tiago Luis, o brincalhão com sua trança irreverente (que rendeu) e sua caixa de som tocando o Samba Enredo da Tradição, 2001, homenageando Sílvio Santos, ‘qual é o prêmio, Lombardi, diz aí’. Segredos, que quando indagados se afirmava ser a humildade e o trabalho bem realizado, com garra, força de vontade e serenidade. Cada revés, um aprendizado. Saber ganhar é fácil, mas saber perder e tirar da adversidade o crescimento, isto separa os homens dos meninos. Salientar os discursos fortes do Anderson Paixão, que com seu cavaquinho, misto de seriedade e descontração, levou todos a correrem até o final, sendo o melhor preparo físico da disputa. Sustos! O desmaio de Fabiano diante do Joinville, causando apreensão em mais de oito mil pessoas, lágrimas em muitos e a incerteza. Deu tudo certo e voltou bem demais. A fratura de Diego Felipe, volante voluntarioso, passadas largas e fala carregada do ‘R’ carioca. A citação do genial Alexandre Dumas, tão contestada em territórios locais e disparada a mais comentada crônica de futebol, em site oficial de clube, nos últimos tempos, ganhando espaço em redes sociais de membros importantes da mídia, programas esportivos nacionais, mestres da comunicação e torcedores de outros clubes dando as congratulações. E se falar no autor de ‘Os Três Mosqueteiros’, é necessário citar Athos, garçom em muitos jogos. Quebra de paradigmas como pondera James Hunter na obra ‘O Monge e o Executivo’, de leitura dinâmica, todavia fundamental para entender acerca de lideranças. E nem sempre este tem a voz alta. Por isso a valorização em cima de Wanderson, o cão de guarda com suas atuações seguras e regulares, além de sacudir as redes como elemento surpresa em alguns escanteios favoráveis. Potita, Danilo, Murilo, que somaram como se estivessem há mais tempo, como Danilinho e Soares. A velocidade de Fabinho Alves, que até a lesão era o mais caçado entre todos os jogadores dos vinte times concorrentes e mesmo assim afirmava não se importar com as pancadas, diversas vezes suprimidas pelas arbitragens. O espírito verdadeiro de uma equipe que não aceitou um companheiro fora de viagem por questões financeiras e pagou com recursos próprios a passagem e estadia em Goiânia, emocionando o treinador e toda sua comissão pela atitude ímpar. Alemão, de crescimento reconhecido ao longo dos meses. A chegada aos 60 pontos. Hora de subir a ladeira. Desta forma, o confronto do acesso só foi mais um, no pensamento de focar partida a partida, entendendo a fórmula para o sucesso. Mas evidente que é preciso citar esta épica jornada. Calando muitas bocas. Transformando a analogia do texto em realidade. Galopando no Rocinante, comemorando como um ‘Carimbador Maluco’, enfrentando os muros dos castelos, sentindo-se o próprio ‘Conde de Monte Cristo’ saindo de masmorras, subliminarmente colocando-se em IV a.C. e fazendo história. Um trabalho em conjunto da diretoria mais vencedora dos anais alviverdes, desde os roupeiros, massagistas, médicos, fisioterapeutas, auxiliares, ‘tia da lavanderia’, até mesmo do ‘Feio’ comendo pastel e tomando ‘Tota-tóia’. Dos dias a mais em concentrações, a saudade de casa e o cansaço afastado na indecisão, pois sempre um irmão estava ali para estender a mão. As ações sociais, demonstrando a preocupação com o próximo e aqueles que realmente merecem um carinho. E mesmo assim insistências pipocavam de vários setores sugerindo mal-estar. Como não citar aquele vestiário festejando a vitória sensacional diante do Avaí, na capital, com dois golaços e a convicção de que iríamos subir? Ou ainda ratificar a invencibilidade diante dos conterrâneos, com quatro vitórias e dois empates? Lembranças, sensações, certezas. Assim chegou o tão esperado dia. Um mês sem vencer e a vontade de carimbar o passaporte para a elite. Diante do Paraná, no Estádio Durival de Britto e Silva uma noite para eternizar. Não há bem que sempre dure, nem mal que perdure. Atuação de luxo de Nivaldo. Uma falta no lado esquerdo de ataque cobrada por Paulinho Dias em parábola para dentro da área, a bola na descendente encontrou o artilheiro único de toda a história da Segundona. Bruno Rangel cabeceou para baixo, no canto direito, marcando aos 29 minutos da etapa complementar o único tento do prélio. Alegria para os cerca de 250 aficionados alviverdes presentes nas arquibancadas e muita festa no Oeste de Santa Catarina. Agora, sem dúvidas, no ano da Copa do Mundo, a Chapecoense está entre os 20 principais clubes do Brasil. Fazendo jus às palavras de Gilmar Dal Pozzo naquele 19 de maio. Para ir além. Merecimento! Lágrimas na vitória, sempre na derrota ou glória, é luz na escuridão, somos um só coração. Quantos arrepiados de emoção? Quantos sabendo que o novo dia estava por raiar e a hora por chegar? União, conjunto, alegria, família. Um só coração, como um dia cantou o grande Bob Marley, ‘one love, one heart, let’s get together, and feel all right’. Chore, vibre, grite, comemore aficionado... você está na Série A. Ficha técnica Paraná 0x1 Chapecoense – 35ª rodada do Campeonato Brasileiro da Série B Paraná Marcão, Moacir (Roniery), Alex Bruno, Brinner e Henrique Ávila; Edson Sitta, Ricardo Conceição, Paulinho Oliveira e Lucio Flávio; Paulo Sérgio (Luisinho) e Reinaldo (J.J. Morales). Técnico: Dado Cavalcanti Chapecoense Nivaldo, Alemão, Rafael Lima, Dão e Fabinho Gaúcho; Wanderson, Paulinho Dias, Diego Felipe e Augusto (Radar – 19min/2’T); Potita (Caion – 20min/2’T) e Bruno Rangel (Murilo – 43min/2’T). Técnico: Gilmar Dal Pozzo Gol: Bruno Rangel (29min/2’T) Cartões amarelos: Potita (C) Renda: R$ 68.910,00 Público: 4982 espectadores Arbitragem: Leandro Bizzio Marinho (SP), auxiliado por Vicente Romano Neto (SP) e Daniel Paulo Ziolli (SP) Fonte: chapecoense.com